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Sabor: Uma coisa "leve" que a gente engole sem pensar.

Atualizado: há 4 dias



Algumas pessoas parecem nascer com propósito. Outras com talento. Eu acredito que nasci com curiosidade.


Desde então, tento entender por que algumas comidas nos agradam de primeira, enquanto outras causam uma pequena revolta interna que chamamos de paladar infantil. Já aviso: o problema talvez não seja o paladar. Talvez seja a pressa. Ou a cultura. Ou uma propaganda de refrigerante disfarçada de memória afetiva.


A gente fala de comida o tempo todo. Sobre o que vamos comer, o que comemos, o que deveríamos comer, o que desejamos comer. Mas pouco se fala de sabor — esse fenômeno íntimo, complexo e absurdamente subjetivo que acontece entre uma mordida, um gole, e que tem o poder de nos definir silenciosamente.


E, como quase tudo que nos define, tendemos a não prestar muita atenção.



Sabor é gosto, é aroma, sentido, memória, emoção. Também é história, contexto, expectativa, identidade e, às vezes, até trauma.


É o amargo que você nunca aprendeu a gostar.

O aroma que te leva para a infância.

O molho que você repete sem saber exatamente por quê.

Sabor é dado e é construção.

É química e é crença.

E também um pouco de teimosia.


Você acha que gosta de tomate seco? Pode ser. Mas também pode ser só os anos 80 tendo voz na sua pizza.


A gente consome sabor como navegamos em redes sociais: no piloto automático. E mesmo quando temos escolhas, nem sempre percebemos quem está realmente decidindo: nós, os algoritmos, ou os hábitos que nos vestem sem que a gente perceba?



Mas talvez você esteja se perguntando: O sabor não é o que define a comida? Sim, é uma de suas propriedades. Mas há muito mais nessa equação.



Existe uma longa discussão sobre o que entra nessa definição de 'sabor' e também a de 'gosto'. É tipo aquelas conversas sérias de bar, meio embriagadas e, no final, parece não existir consenso algum. E está tudo bem. Mas, na realidade, aqui o buraco parece ser mais embaixo.


Nas ciências naturais, 'gosto' refere-se às sensações detectadas pelas papilas gustativas, enquanto ‘sabor’ é uma experiência mais complexa, construída pela mente.


Gostos básicos são 5: doce, salgado, azedo, amargo e umami.


'Sabor' é a combinação complexa de sensações. Envolve principalmente gosto e olfato, além de textura e temperatura. E, para alguns, até emoção e humor. Aspectos físicos, químicos e neurofisiológicos.


Já para as demais disciplinas, como a filosofia, a principal diferença está na definição do termo gosto. Ele é um dos cinco sentidos — o paladar — mas também carrega significados que não se limitam ao papo de laboratório.


Por exemplo, na estética, gosto pode referir-se à capacidade de julgar a beleza e as qualidades de uma obra de arte ou uma preferência por um estilo de música. Envolve apreciação subjetiva e julgamento crítico. Aquele termo que usamos para dizer que alguém tem um 'gosto refinado' por determinada coisa.


E nessa mistura, sociólogos e antropólogos adicionam mais elementos. Também como uma forma de distinção social e como uma expressão das narrativas culturais. Ter 'bom gosto', afinal, pode dizer mais sobre o seu contexto do que sobre sua sensibilidade. 'Gosto' é um conceito que está relacionado à cultura, tradição, geografia e relações sociais.


Mas, e aí? Como fica a situação na cozinha e na mesa? Aí, o 'sabor' e 'gosto' têm significados bem parecidos, quase sinônimos, e não têm um limite bem demarcado. Não se sabe onde acaba um e onde começa o outro. O 'sabor' é aquilo que percebemos pelo 'gosto' e o 'gosto' é quando percebemos o 'sabor'.


No fim das contas, não existe certo e errado — é uma questão de perspectiva. Ou melhor, de paladar. Cada um tem o seu e fala daquilo que combina com sua visão de mundo — do seu mundo.



Sim, é um tanto complexo quanto difícil de digerir, mas vamos explorar mais esses assuntos em outros posts. Porque, quando envolve "ciências", é uma evolução analítica dos fatos com uma boa dose de deduções. E nem sempre vem acompanhada de respostas.


Resumindo, essa discussão não deveria interferir na maneira como nos expressamos ao comer ou beber. Impor qualquer tipo de redefinição dos termos, gosto ou sabor, pode causar azia. Mas sim, nos ajuda a compreender o quanto o sabor é importante na nossa vida. Não é apenas uma questão de prazer e recompensa, evolutiva e protetiva, mas também sobre identidade: daquelas que moldam a forma como percebemos e nos relacionamos com tudo ao nosso redor.


Esse manifesto não tem uma causa bem específica. Não é um pedido por alimentação consciente. Talvez só uma provocação:



Você sabe mesmo do que gosta?


Ou melhor: já se perguntou o que te faz gostar do que gosta?



Não prometo muitas respostas. Nem muitas receitas.


Mas perguntas com um gosto que fica, um retrogosto.


Sutilezas.


Pequenas rebeldias de paladar.



Se tudo der certo, esse espaço vai funcionar como um bom tempero: você só percebe depois que engole.


E, com sorte, ele volta à boca como um pensamento que não termina de passar.

 
 
 

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